sábado, 27 de junho de 2009

Ensaio sobre a cegueira.

Apesar da arrogância e da escrita esdrúxula, José Saramago é um dos mais influentes intelectuais e pensadores vivos. Suas opiniões políticas, bastante criticadas pela direita conservadora são de uma verdade impressionante. Sempre apresenta críticas ferrenhas e muito bem colocadas sobre, por exemplo, a globalização e o atual imperialismo dos países ricos. Admito que, além de pequenos textos, de sua autoria só li metade do aclamado "Ensaio sobre a cegueira". Sou extremamente contra encerrar uma leitura pela metade, até Paulo Coelho eu termino, quando começo. Mas dessa vez, obrigado por fatores externos, desisti do livro, e assisti ao filme. Sem discutir a qualidade deste, que tem como direção e produção de arte pontos fortíssimos, entremos na discussão lançada por Saramago em seu livro, ignorando o roteiro superficial do filme.
A epidemia misteriosa de cegueira obriga uma parcela da população (no caso do livro, portuguesa) a se refugiar num manicômio abandonado, pra onde o governo envia alimento e produtos de primeira necessidade, mas não por muito tempo. Não encontrando possibilidade de cura para a doença o governo faz exatamente aquilo que está acostumada a fazer defronte situações de miséria e pobreza em países como o Brasil: ignora e deixa de lado. Com cada vez mais cegos e menos condições, o manicômio se torna um local hostil, imundo, nojento, com pessoas morrendo, sendo abusadas poelos militares que dominam o local e impõem regras com rifles. Nada de diferente da realidade.
A única pessoa que enxerga no local, poderia se dispor a ajudar a todos aqueles necessitados, mas esconde sua capacidade de visão, utilizando para benefício apenas próprio e do marido. Não é o que acontece, na vida real, com as elites, que apenas "fecham seus olhos" para a situação caótica do país? O benifício próprio sempre basta para o ser humano, e ajudar os outros gera receio. A personagem em questão, tem medo de revelar sua condição, pois assim seria acediada pelos cegos em busca de ajuda.
Ajuda esta extremamente necessária, uma vez que, à metade do livro, o manicômio encontra-se bestializado, com mortes constantes, grupos de cegos detendo toda a comida e obrigando, por exemplo, as mulheres a se prostituirem para conseguir restos de alimento. Não é de se surpreender que, abandonados pelo próprio governo, o qual elegeram, o ser humano se animalize. É isso que acontece em locais ignorados pela política e sociedade. É apenas nesse ponto, finalmente, que a única vidente parece se indignar. Bom, como sempre, a alienação apenas nos desperta para o real quando já é tarde demais.
Saramago utiliza de uma metáfora profunda e chocante para criticar os governos, a política e o ser humano. Quando todos podem novamente ver, a mulher, que nunca deixou de ver, se sente cega. Talvez, como nada parece estar sendo alterado, nós todos tenhamos nascidos cegos, ainda estamos cegos e morreremos cegos. Cegos para o mundo que nos cerca, como já disse antes por aqui.

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