quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Quase Famosos.

Quase Famosos, de Cameron Crowe, foi um filme que assisti despretenciosamente e acabei me surpreendendo. Criei um grande apreço pelo filme e hoje o considero um dos meus preferidos, apesar de não gostar da obra de Crowe, de quem também conferi "Vanilla Sky" e "Elizabethtown", os quais não aprecio. Enfim, o que mais cativa e marca no filme é o seu clima "cool". A palavra, por sinal, é empregada diversas vezes pelos personagens do filme para designar seja algum outro personagem, alguma situação, uma banda ou o rock n' roll em si. Ah, o rock n' roll... este estilo musical aclamado por décadas que hoje sobrevive como uma chama no coração de jovens que o enxergam como uma eterna forma de rebeldia, música de qualidade e uma alternativa aos sertanejos massificadores atuais. O rock n' roll é o tema do filme de Crowe e é o que o torna tão especial. O diretor, ao mesmo tempo em que exalta as qualidades do estilo musical, desmistifica completamente seus ídolos e lendas.
Crowe, quando jovem, foi jornalista de rock, e acompanhou o Led Zeppelin, o The Who e o Allman Bothers em turnês a fim de noticiá-las na famosa revista Rolling Stone. E, baseando-se nesta sua trajetória de vida, criou a história do ingênuo William Miller, que, no filme, possui a mesma missão, mas acompanhando a banda fictícia Stillwater, claramente inspirada nas três bandas acompanhadas por Crowe. E é utilizando essa banda como metáfora central de seu roteiro, que o diretor nos passa todo o ideal de fúria e alegria do Rock, seja nas cenas de apresentação do hit fictício "Fever Dog", ou através da excelente trilha sonora, composta por clássicos de David Bowie, Elton John, The Who e Led Zeppelin, entre outros. Mas, também através da banda, ele nos mostra o lado "humano" de nossos ídolos musicais. Aquela já conhecida arrogância, petulância e necessidade de estrelato dos rockstars que, relutantemente, fingimos irrelevar.
E há ainda Penny Lane! Sim, essa grande personagem do cinema. Bonita, misteriosa e sensual. Penny é a típica groupie, mas que não vive apenas de parasitar e amar integrantes de bandas. Ela possui energia suficiente para despertar o espírito do rock n' roll em qualquer um. Energia suficiente para tornar magistrais as apresentações da banda que acompanha. Energia suficiente para seduzir tanto o rockstar Russel, guitarrista do Stillwater, quanto o bobo William. Esse pseudo-triângulo amoroso dá certa graça ao filme, e confere a William um ar mais ingênuo e pueril ainda, uma vez que, apaixonado platonicamente por uma musa praticamente inalcançável, se vê cada vez mais preso à turnê da banda, e chega a abandonar a vida que leva com a mãe para perpetuar a convivência. Mas não é só a musa que o fixa ao grupo. Que garoto de quinze anos não abandonaria a mãe católica e conservadora de William para passar a vida em um ônibus, pelas estradas dos EUA, com uma banda de rock, indo a shows, e conhecendo celebridades? É essa experiência da vida de William, que irá conhecer os prazeres do sexo, por exemplo, que torna o filme tão "cool". Um grande road movie, com um quê de coming-age movie e muita música boa para dar a liga.
Toda essa energia positiva ainda é acompanhada de cenas memoráveis. Alguns diálogos entre William e Penny refletem muito bem a sensualidade e o mistério da garota, que tem, em suas mãos, o amor e a amizade do pobre garoto. Há também as loucuras típicas de um filme de rock. Sexo, drogas e rock n' roll! Numa das melhores cenas do filme, Russel, chapado de ácido, se atira de um atalhado em uma piscina gritando "Eu sou um deus dourado" e jurando que suas últimas palavras seriam "Estou chapado". Outra cena fantástica é quando os personagens, em um avião que parecia prestes a explodir nos ares, iniciam confissões acerca de sua sexualidade e do relacionamento com os companheiros de banda. Hilária! Tais cenas, segundo o diretor, são inspiradas em acontecimento reais da vida, por exemplo, de Robert Plant e do The Who. Dessa forma, Cameron Crowe eternizou o melhor estilo de música da história num dos melhores filmes da história. E é bastante imparcial, já que não fica apenas fazendo apologias à ideologia setentista e lisérgica, como muitos filmes por aí pecam ao fazer. Há o drama humano da banda que se desintende, a disputa de ego entre integrates que notadamente já arruinou várias carreiras por aí e a figura do jornalista de rock, mítico e temido. Enfim, todos os ingredientes de um filme delicioso... boa música, cenas excelentes, grandes personagens e um clima bem "cool". Como, em certo momento do filme, é dito: "a grande indústria do cool!"

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Top 10 cenas memoráveis do cinema.

Seguem abaixo três listas feitas por três diferentes pessoas (uma delas, no caso, sou eu) acerca de cenas marcantes do cinema. Cada um usou seu critério. Podem ser cenas belas, tensas, emocionantes, chocantes, assustadores, mas que tenham marcado o autor. Cada lista foi desenvolvida sem conhecimento prévio das anteriores, logo cenas coincidentes é mero compartilhar de gostos. Cada autor usou sua própria experiência e gosto cinematográfico em sua lista, tornando-a repleta de cenas com significado pessoal, e não apenas cenas já tidas como clássicas.

Lista 1
Menção honrosa - E sua mãe também - Gael Garcia Bernál conta a Diego Luna após várias doses de tequila: "y tu mama también"
10. Cidadão Kane - Cena final com close em "Rosebud"
9. Clube da luta - Cena final: prédios explodindo ao som de Pixies
8. Pulp fiction - "Everybody be cool, this is a robbery", seguido da música de Dick Dale
7. Bastardos Inglórios - Incêndio no cinema nazista
6. Quase Famosos - "What kind of beer?"/Cena do avião
5. Laranja Mecânica - Estupro "Singing in the rain"/Alex sendo afogado
4. Réquiem para um sonho - Sequência final
3. Psicose - Descoberto o esqueleto da mãe de Norman Bates
2. Irreversível - Assassinato com extintor de incêndio
1. Old Boy - Língua cortada

Lista 2
Menção honrosa: O mágico de Oz - Dorothy chega a Oz em meios às cores da "Technicolor"
10. Os bons companheiros - Joe Pesci: "Funny how? I mean, funny like a clown? I amuse you?"
9. Um dia de cão - Al Pacino: "Attica! Attica!"
8. Apocalypse Now - Robert Duvall: "I love the smell of napalm in the morning"
7. Franco-Atirador - Cena da roleta russa
6. Poderoso chefão - Cabeça do cavalo encontrada na cama
5. Taxi Driver - Robert Deniro: "are you looking to me?"
4. Pulp Fiction - John Travolta aplica adrenalina em Uma Thurman após overdose
3. Dançando na chuva/Laranja mecânica - "Singing in the rain"
2. 2001 - Osso atirado por primata "tornando-se" espaçonave
1. E o vento levou - Clark Gable: "Frankly, my dear, I don't give a damn."

Lista 3
10. Poderoso chefão - Tiros no pedágio
9. O Anticristo - Se imagine no éden
8. O discreto charme da burguesia - A burguesia é um teatro
7. Cães de aluguel - "Mate o traidor"
6. Noites de Cabiria - O casal feliz ao entardecer
5. O Sacrifício - Tocado por um anjo/Casa incendiada
4. O Iluminado - Jack Nicholson: "Here's Johnny"
3. Curioso caso de Benjamin Button - O lugar errado na hora errada
2. Oldboy - "Eu serei seu cachorrinho"
1. O pagador de promessas - Carregado para a igreja

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

Personalidades da História ao longo dos séculos.

Séculos XVI - Galileu Galilei
Galileu foi um dos mais significativos representantes do período conhecido como Renascimento Cultural, que marca a dolorosa transição feudo-capitalista da história ocidental. A Idade-Média, fechada em sua fé católica, economia autosuficiente e relações sociopolíticos rústicas necessitava de uma mudança brusca para ser esquecida e superada por outro modelo de produção. Tal transição ficou bastante estigmatizada na História devido aos inúmeros acontecimentos: renascimento comercial, urbano, cultural e reformas protestantes. Porém, é com o renascimento cultural que os dogmas da Igreja são contestados pela primeira vez, representando uma mudança no imaginário da população. Galileu é o que melhor representa tal postura já que foi morto pela inquisição católica em nome de suas crenças. Crenças não, quem tinha crenças eram os padres! Galileu tinha certezas, baseadas em muito cálculo e estudo, o que moldou os princípios da física, antes bastante rudimentar baseada apenas nos estudos de Aristóteles. Sem o renascimento científico propiciado por suas ideias, dificilmente teríamos as heranças do período transformadas em expansão marítma, mercantilismo e estruturação do capitalismo comercial.

Século XVII - Guilherme De Orange
Guilherme De Orange conduziu a chamada Revolução Gloriosa na Inglaterra. Antes do que em qualquer outro país, a Inglaterra substituiu o clássico regime absolutista por um regime parlamentarista, tendo, sim, um rei, mas de poderes limitados e apenas representativos. Tal fato é pouco difundido no estudo habitual da História, mas é tão importante quanto a Revolução Francesa do próxima século, pois é a primeira manifestação burguesa em busca de poder máximo. É tal advento que conduz a Inglaterra para o imperialismo e o status de suporpotência característico dessa nação até o século XX. Tal cenário, com o mundo submetido às influências da Inglaterra marcam toda a geopolítica dos séculos posteriores, sendo até mesmo um pouco presente hoje, onde a Inglaterra ainda é uma potência. A Revolução Gloriosa precede até mesmo as ideias iluministas, que tanto marcariam o próximo século, chamado século das luzes, por isso é um evento histórico extremamente peculiar em sua importância.

Século XVIII - James Watt
"A criatura é muito mais famosa que o criador". A máquina à vapor, invenção de Watt, é simplesmente a responsável pelo advento da Revolução Industrial, que se deu por volta de 1750. E a revolução é simplesmente a responsável pela consolidação do capitalismo como modo de produção vigente, pelo aumento desenfreado da produtividade, pela mudança nas relações de trabalho, pela situação social de eterna luta entre proletariado e burguesia, enfim, um marco da História da humanidade. O mundo é costumeiramente dividido em "pré-industrial" e "pós-industrial", o que detona a importância da realização de Watt.

Século XIX - Karl Marx
Se no século XVIII foi consolidado o capitalismo e todas suas características, incluindo as cruéis desigualdades sociais, no século XIX surgiu seu maior antogonista. O filósofo, sociólogo e economista alemão, Karl Marx, é responsável pelas teses que criaram o modelo de produção socialista. Marx, antes de tudo, fez um detalhado estudo acerca da História, dividindo-a em modos de produção e enfatizando, em todos os períodos, a luta de classes como fator impulsionador das mudanças decorridas ao longo do processo histórico. Dessa forma, no livro "Manifesto do partido comunista", de 1848, Marx e seu parceiro Friedrich Engels, convidam o povo à revolução. A revolução socialista, destituindo a burguesia de seus plenos poderes, instaurando uma justa ditadura do proletariado que, mais tarde, evoluiria para a real sociedade sem classes. Tais ideias foram as responsáveis por boa parte das revoluções ocorridas após tal data. Fica difícil imaginar o mundo como conhecemos sem as teorias desse grande teórico. O historiador Eric Hobsbwan chamou o século XIX de a "era das revoluções", e o século XX de a "era dos extremos". Tanto revoluções, quanto extremos, todos oriundos da luta ideológica entre capitalismo e socialismo, inciada com as teorias de Marx.

Século XX - Josef Stálin
Talvez seja Stalin a mais admirável personalidade de toda a História. Não levemos em conta boas ações, ou más ações, apenas ações. Mesmo não tendo sido o principal condutor da Revolução Russa, foi Stalin quem se imortalizou na figura de grande líder do império vermelho soviético. E é esse império que marca todo o século XX, já que a Revolução Russa, de forma indireta define os rumos da I Guerra Mundial e, de forma bastante direta, decreta o fim da II Guerra Mundial na batalha de Stalingrado. À frente dessa potência, Stalin criou para si uma imagem de grande professor e mestre, pouco condizente com a realidade, de ditador e fascínora. Mas não é isso que grandes líderes fazem? O modelo soviético, que bastante se diferia do modelo proposto por Marx, mas, mesmo assim foi o que mais se aproximou de um Estado socialista, suportou quatro décadas de confronto político e ideológico para com os EUA. Todos aqueles nascidos e criados durante os anos da Guerra Fria jamais se esquecerão da divisão ideológica, seprando de forma acirrada o mundo em direita e esquerda, capitalista e socialista, americano e soviético. Talvez essa divisão ideológica faça falta nos dias de hoje, repleto de seres apolíticos e apáticos.

Século XXI - George W. Bush
Eis o herdeiro caótico do fim da Guerra Fria! O século XXI está ainda em sua primeira década, o que impossibilita sabermos quem foi a personalidade que o marcou como um todo, mas, desde seu início, George Bussh é o melhor representante. Ele é a figura característico do mundo pós-bipolaridade. O mundo hoje, com poder hegemônico dos EUA, que confronta outras potências (União Europeia, Japão, China) apenas no âmbito econômico, não mais ideológico, é marcado pelo dissimulado imperialismo norte-americano. Que se deu, após os ano de 2001 (quando Bush assumiu pela primeira vez) na forma de guerras e tensões diplomáticas. Tensões estas nas quais os EUA afirma ter razão apenas devido à sua influência como potência mundial. Obviamente que esta atitude do país sempre esteve presente ao longo da História, mas Bush tornou o kitsch e exagerado extremo dessa situação. Constantemente ridicularizado pelas mídias de outros países, o presidente representou o máximo do liberalismo econômico contrastando com o conservadorismo político e o militarismo bélico. É a imagem do mundo globalizado, onde o capital é responsável por toda e qualquer ação tomada por parte dos grandes Estados. E, diferente do que se pensava, seu sucessor, mesmo negro e muçulmano (vide post anterior), de nada se difere. Logo, Bush é mesmo o melhor representante do recém iniciado século XXI, já que nos deixou de herança um mundo onde situações de guerra e confrontos estão muito longes de acabar, como muitos ansiavam com o fim da Guerra Fria e da ameaça nuclear.

Indignação política - Parte dois.

A reputação do Instituto Nobel e de suas anuais premiações vem sendo contestada já a certo tempo. Com premiados duvidosos, indicados ainda mais (o "grande" literato Paulo Coelho, por exemplo, já foi indicado ao Nobel da literatura) e uma clara influência mercadológica, assim como o Oscar, o instituto não é mais sinal de confibiliadade dentre as pessoas sensatas.
Mas, dessa vez, os limites foram todos ultrapassados. O prêmio Nobel da paz entregue a Barack Obama? Acredito que não tenha havido, nesse planeta, cidadão que não se espantou com a notícia. O próprio Obama afirma ter sido pego de surpresa. Bom, não é pra menos, né? Acredito que o erro incial consista em premiar alguém (com algo em torno de um milhão de euros) por atitudes em nome da paz. Quem, de forma real e verdadeira, luta por este ideal, pouco se manifesta nesses grandes meios midíaticos. E, muito menos, almeja alguma premiação.
Alfred Nobel, idealizador do instituto e do próprio prêmio decidiu, por local de entrega e decisão do Nobel da paz, a Noruega. Segundo ele, escolher um país fora das grandes decisões geopolíticas evitaria que o prêmio fosse concedido baseado em interesses diplomáticos. Bom, não adiantou! Será que os noruegueses do comitê que escolhem os premiados acham mesmo que Obama lute pela paz mundial? O mundo todo se auto-iludiu ao achar que, por ser negro, muçulmano, whatever, Obama representaria uma alternativa à Doutrina Bush. Mas, hoje, após praticamente um ano de mandato, a ilusão ainda permanece?
Eu, sinceramente, duvido muito. Guantânamo? Ainda funciona, repleta de prisioneiros políticos! Afeganistão? Continua dominado pro tropas americanas, com uma economia despencando e uma política administrativa extremamente corrupta, chefiada pelo Estado norte-americano. Iraque? Os EUA ainda se julgam donos do local, já que so livraram (através uma pena de morte bastante pacífica) do ditador local, Saddam Hussein.
Mas o choque e a indignação inicial já haviam se transformado em conformismo, afinal, o prêmio pouco representa para mim, que tenho total noção de sua pífia fidedignidade. Mas, ontem, percorrendo os sites de notícia da internet, me deparei com o discurso de Obama logo após receber a medalha que simboliza sua premiação. Obama afirmou, sim, afirmou, ser a guerra um meio de se manter a paz! Algo mais americano absurdo do que isso? Obama provou ser uma apenas um apêndice do governo Bush, assim como todos os cidadões americanos são. E, talvez, isso nem tenha causado incômodos ao país que governa, já que eles estão acostumados a elegerem políticos imperialistas e assassinos. O quão ridículo foram todos os discursos de felicitação quando Bush abandonou o governo... o quão ridículo foi esse prêmio! Não que ele agora tenha passado a significar algo para mim, mas a indignação é o primeiro passo... sempre digo que, quando o mundo todo tiver algo pelo que se indignar, a mudança estará iniciada... mas, enquanto isso, fuck off! Vou lá assistir algum filme hollywoodiano na tv.


sábado, 5 de dezembro de 2009

Irreversível.

Ainda no embalo do post sobre "O Anticristo", escreverei sobre "Irreversível", este que outrora também fora chamado de "filme mais polêmico da história". Qualquer um que já tenha ouvido falar sobre o filme, com certeza ouviu algo semelhante, principalmente referente à tão famosa cena de estupro. Para os menos preparados, a obra pode se basear apenas num filme confuso, atordoante, com cenas de nudez, sexo explícito e violência gratuita. Julga-se que o famoso e pervertido diretor Gaspar Noé buscava apenas chocar o público. Mas, aqueles com maior sensibilidade às grandes obras do cinema, reconhecem facilmente neste filme um quê de obra-prima.
A iniciar pela forma como foi ordenado o roteiro. O filme já choca e perturba ao se inciar nos créditos finais, passados na tela de trás para frente, de baixo para cima. E, após isso, nos deparamos com um excelente diálogo centrado numa cela de prisão e que nada revela ao expectador, seguindo para uma cena filmada com a câmera absurdamente tremida dentro de uma devassa boate gay. É aí que o público toma contato com a confusão mental a que Noé quer nos inserir. A cena causa enjoo e náuseas devido ao tremor da câmera, ao som noir e ao peso das cenas de sexo homessexual mostradas rápida porém reveladoramente. Apenas duas, ou três, cenas depois, algum expectador que houvesse inciado o filme sem conhecimento prévio da obra, percebe que as cenas se dão na tela em ordem contrária. O filme, provavemente, fora filmado ordenadamente, seguindo moldes tradicionais do cinema, mas as cenas foram arranjadas ao inverso. E é isso que torna a obra tão marcante.
Ao encerrar, o filme coloca na tela a máxima de "os tempos destroem tudo", cultuada por mim desde que o vi pela primeira vez (vide página do blog), pois reflete de forma bem intensa o modo como todos nós, seres humanos, estamos à mercê de nossa existência e do destino. O final do filme seria extremamente feliz se ele não fosse... o começo do filme! É essa a grande sacada de Noé... inicar um filme extremamente noir, com violência excessiva, um estupro absurdamente cruel (praticamente inassistível para mulheres) e uma câmera tremendo, e, finalizá-lo com cenas alegres, vivas e bonitas, que mostram a alegria de um casal. Não chega a pesar, no corpo e na alma, saber que, antes de todas aquelas trágicas desgraças exibidas de forma nue e crua na tela, Noé tinha criado, para seus personagens, um mundo de paz e prosperidade?
Desperta uma reflexão bastante filosófica, que nos coloca em evidência uma certeza que tantos relutam em acreditar: todo e qualquer momento de felicidade pode, simplesmente, no minuto seguinte, ser brutalmente destruído ou esquecido. E, parando para pensar, quantas amizades, amores, considerações, coisas, lugares, não largamos, esquecemos, abrimos mão ou, simplesmente, nos são tirados pela vida, ao longo da própria? Obviamente que o filme cria uma situação mais trágica, mas um filme sobre algo prosaico não causaria o mesmo choque nem nos atentaria tão rapidamente à reflexão.
Logo, Gaspar Noé obteve perfeito êxito em nos passar uma grande mensagem filosófica com um grande filme. São poucos os diretores que conseguem esse status de polêmico, chocante e revolucionário. Ainda mais frente a uma platéia como a do júri de Cannes, como foi o caso do filme. De forma cruel Noé nos provou que a vida também pode ser cruel, e que, apenas nos atentaremos a isso no momento em que formos nós os "premiados" com alguma calamidade. Por enquanto, todos nós preferimos nos acomodar nos momentos de alegria, fazendo incontáveis planos para um futuro, ignorando que o que ele pode nos reservar é simplesmente horrível, como as cenas do filme são. Porém, algum dia, todos nós concluiremos que sim, os tempos realmente destroem tudo, e, uma vez destruído, é absolutamente irreversível! Mais uma vez, c'est la vie.

quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O Anticristo.


O filme "O Anticristo", de Lars Von Trier, lançado neste ano de 2009, foi taxado pela mídia e pelos críticos como "filme mais revolucionário e polêmico da história". Não é a primeira vez que um filme recebe essa alcunha, mas no caso do filme do diretor dinamarquês, o significado vai muito mais além. Talve seja o reflexo de que o cinema, e o mundo em geral, não estejam preparados para filmes dessa amplitude. O cinema dificilmente se desvinculará daquela concepção de mídia artística que desperta emoções e sentimentos através de imagens, roteiros e áudio. Não que eu seja contra essa ideia (afinal, noventa por cento dos filmes aderem à ela), mas eu acho que o que Lars propôs nesse filme poderia muito bem ser seguido.
Lars Vontrier, assim como alguns outros cineastas experimentais criaram um filme que é mais uma arte do que um filme. É, como o próprio diretor comparou, um quadro, uma escultura, uma música. Você não busca entendimentos, apenas assiste, contempla e tem suas próprias reflexões. E, por falar em reflexões, o filme de Von Trier está repleto das mais diversas. Obviamente que a crítica caiu em cima. O filme foi vaiado em Cannes, e Von Trier hostilizado por vários jornalistas, ainda mais sendo ele o arrogante e propotente que é. Mas, ao mesmo tempo, o fime também despertou reações animadoras e levou até um Palma de Ouro de melhor atriz pra casa.
Assim, entramos no quesito existencial da obra: a atriz. Charlotte Gainsbourg interpreta uma mulher, sem nome ou características de personagem esférico. Ela é apenas uma mulher açoitada pela dor e pelo sofirmento da perda de um filho. O filho em questão, caiu de uma janela certa noite, enquanto os pais deliciavam-se numa cena de sexo tórrido e apaixonante. A cena referida pode ser considerada antológica. Filmada em preto em branco, câmera lenta e precisão de mestre, acompanhada por uma trilha sonora de música clássica ela nos desperta não apenas o êxtase do sexo (há até um close na penatração vaginal) mas como do amor.
Porém, após a morte da criança o filme e a visão do diretor mudam de rumo. Von Trier abandona essa câmera precisa que tanto o perturba, retornando para sua clássica câmera tremida e a atmosfera noir, que tanto nos perturba. E o sexo? O sexo agora é encarado como bestial e animalesco. Não há mais amor. Em meio ha um lugar denominado "Éden", o casal (o homem, também sem nome ou caracterizações, é interpretado por William Dafoe) o casal continua a manter relações sexuais, mas dessa vez, de forma feroz e incontida. O desejo à flor da pele parte apenas da mulher, que encontra num lugar de nome bastante curioso o clímax sexual a tanto reprimido por tudo e por todos.
O filme é cheio de simbologias e metáforas. Desde o nome bíblico da floresta, até cenas bastante específicas e chocantes. A mulher, em certo momento, corta fora, com uma rústica tesoura de marceneiro, o próprio clitoris. Essa é, para mim, a cena mór do filme. Como se fazem na China que busca controle de natalidade irracional, a mulher se priva do desejo sexual de forma absurda e esdrúxula. É tudo parte da grande metáfora composta quase poeticamente por Von Trier: as referências ao cristianismo, o clássico conceito de natureza pagã e satãnizada, a figura da mulher reprimida em contraste com a figura da mulher bruxa.
Charlotte Gainsbourg, a Eva de Von Trier, é uma historiada, cuja tese acadêmica se baseia no "Ginecocídio" ao longo dos séculos, ou seja, os fortes maus-tratos causados às mulheres ao longo da História. Porém, no Éden, ela assume uma face monstruosa e assassina, que fez com que muitos taxassem o filme de misógino. Seria mesmo, então, Von Trier um adepto das teorias cristãs de que a mulher é a culpada pelo pecado do mundo? Que essa filha das costelas é um ser inferior e assassino? Acho que no mais, o diretor se refere a todos os seres humanos em geral como bestializados. Não é por menos que uma raposa (sim, uma raposa!) se comunica abertamente com o marido.
Von Trier apenas separa a degradação da espécie (sim, esta famosa incentivadora de artes ao redor do mundo!) em funções sociais masculinas e femininas. Não foi assim que o mundo sempre fez? Mulheres para isso, homens para aquilo! Von Trier explora a mulher como a velha figura materna, porém frágil e sensível a qualquer frustração, enquanto o homem, este sim, rústico e severo, é o centro psicológico da relação. Não é por menos, então, que o personagem de Dafoe é um terapeuta. Ele desempenha o papel de psiquê do casal, sustentando toda a dor da mulher em suas costas.
Mas não, a história toma rumos surpreendentes! A mulher, em certo momento, tenta passar o peso de todo um mundo, que Von Trier, da forma mais feminista (logo, menos misógina possível), assume estar apenas sobre ela, para o homem. Mas o final intrigante do filme tem algo mais a nos dizer. Cabe a cada um vê-lo, revê-lo e analisá-lo sob uma perspectiva de conheicmento e indagação. Não buscando saídas e compreensões óbvias. Isso é o cinema de verdade, que tanto foi e continuará sendo crucificado. Não é a toa que Kubrick, apesar de cultuado, morreu na amargura existencial. Von Trier ganhou com esse filme minha admiração. Não fez uma obra prima do cinema, como faz, de forma bem menos complexa, Quentin Taratino. Fez uma obra prima das artes e filosofias em geral. Pena que o mundo não esteja preparado, nunca esteve, prà arte real. Cést la vie.