domingo, 4 de outubro de 2009

Deus e o diabo na terra do sol.

O homem sempre encontrou na religiosidade seu conforto, seu anestésico, para problemas aparentemente insolucionáveis. No Nordeste brasileiro, mais precisamente no sertão, nos deparamos com uma situação climática que pouco favorece os habitantes do local e que, aliada a um total descaso dos governantes resulta numa calamitosa situação política, social e econômica.
Ausentes de educação, tal povo buscou em Deus seu maior aliado. As preces pela melhora de condições sempre foram constantes e, volta e meia, vemos surgirem figuras como o beato Antônio Conselheiro, que, munido apenas de profecias religiosas, prometeu mudar a vida de todo um povo. Os ensinamentos do beato chamaram o povo à revolta, que resultou num dos mais importantes episódios de nossa História: a guerra do arraial de Canudos.
Glauber Rocha, em seu antológico filme, dialoga com toda a tradição popular do sertão, dando ênfase na pobreza dos trabalhadores locais e na opressão destes por parte dos grande coroneis. Glauber utiliza do profeta Sebastião (em possível analogia a Dom Sebastião, representante de um dos maiores mitos portugueses) para mostrar a fé ingênua e de intenções libertárias do sertanejo. Mas, em dado momento da narrativa, Glauber nos lança uma ideia bastante verdadeira: percebendo que Deus não atende prece alguma, e, caso atenda, de nada melhora, o homem recorre ao próprio homem para solucionar seus problemas.
É aí que entram no filme personagens já tão presentes no imaginário nordestino: o jagunço e o cangaceiro. O cangaceiro Coristo, que diversas vezes exalta o lendário Lampião, é a síntese do homem que faz justiça e cria leis na ponta da espada e no tiro de rifle. Aliás, é assim que ele define a lei no sertão. E é em figuras como ele, e no histórico Lampião, ídolo até hoje do sertão, que o povo credita suas últimas esperanças, já que a lei legítima, de nada lhes favorece.
Derrame de sangue, fanatismo religioso, abuso de poder por parte de coroneis e muita sabedoria popular: é isso que esse grande filme brasileiro nos passa como mensagem através de uma simples câmera nervosa. Uma realidade que hoje já pode nos ter sido banalizada, principalmente de forma chula e grosseira pelas grandes mídias, mas que ainda toca a muitos, e, imagine em 1964, auge do Cinema Novo. Afinal, cada vez mais, dado à atual conjuntura, existe o medo de que o sertão vire mar e o mar algum dia vire sertão, medo tão comum nos míticos sertanejos.

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