sábado, 5 de dezembro de 2009

Irreversível.

Ainda no embalo do post sobre "O Anticristo", escreverei sobre "Irreversível", este que outrora também fora chamado de "filme mais polêmico da história". Qualquer um que já tenha ouvido falar sobre o filme, com certeza ouviu algo semelhante, principalmente referente à tão famosa cena de estupro. Para os menos preparados, a obra pode se basear apenas num filme confuso, atordoante, com cenas de nudez, sexo explícito e violência gratuita. Julga-se que o famoso e pervertido diretor Gaspar Noé buscava apenas chocar o público. Mas, aqueles com maior sensibilidade às grandes obras do cinema, reconhecem facilmente neste filme um quê de obra-prima.
A iniciar pela forma como foi ordenado o roteiro. O filme já choca e perturba ao se inciar nos créditos finais, passados na tela de trás para frente, de baixo para cima. E, após isso, nos deparamos com um excelente diálogo centrado numa cela de prisão e que nada revela ao expectador, seguindo para uma cena filmada com a câmera absurdamente tremida dentro de uma devassa boate gay. É aí que o público toma contato com a confusão mental a que Noé quer nos inserir. A cena causa enjoo e náuseas devido ao tremor da câmera, ao som noir e ao peso das cenas de sexo homessexual mostradas rápida porém reveladoramente. Apenas duas, ou três, cenas depois, algum expectador que houvesse inciado o filme sem conhecimento prévio da obra, percebe que as cenas se dão na tela em ordem contrária. O filme, provavemente, fora filmado ordenadamente, seguindo moldes tradicionais do cinema, mas as cenas foram arranjadas ao inverso. E é isso que torna a obra tão marcante.
Ao encerrar, o filme coloca na tela a máxima de "os tempos destroem tudo", cultuada por mim desde que o vi pela primeira vez (vide página do blog), pois reflete de forma bem intensa o modo como todos nós, seres humanos, estamos à mercê de nossa existência e do destino. O final do filme seria extremamente feliz se ele não fosse... o começo do filme! É essa a grande sacada de Noé... inicar um filme extremamente noir, com violência excessiva, um estupro absurdamente cruel (praticamente inassistível para mulheres) e uma câmera tremendo, e, finalizá-lo com cenas alegres, vivas e bonitas, que mostram a alegria de um casal. Não chega a pesar, no corpo e na alma, saber que, antes de todas aquelas trágicas desgraças exibidas de forma nue e crua na tela, Noé tinha criado, para seus personagens, um mundo de paz e prosperidade?
Desperta uma reflexão bastante filosófica, que nos coloca em evidência uma certeza que tantos relutam em acreditar: todo e qualquer momento de felicidade pode, simplesmente, no minuto seguinte, ser brutalmente destruído ou esquecido. E, parando para pensar, quantas amizades, amores, considerações, coisas, lugares, não largamos, esquecemos, abrimos mão ou, simplesmente, nos são tirados pela vida, ao longo da própria? Obviamente que o filme cria uma situação mais trágica, mas um filme sobre algo prosaico não causaria o mesmo choque nem nos atentaria tão rapidamente à reflexão.
Logo, Gaspar Noé obteve perfeito êxito em nos passar uma grande mensagem filosófica com um grande filme. São poucos os diretores que conseguem esse status de polêmico, chocante e revolucionário. Ainda mais frente a uma platéia como a do júri de Cannes, como foi o caso do filme. De forma cruel Noé nos provou que a vida também pode ser cruel, e que, apenas nos atentaremos a isso no momento em que formos nós os "premiados" com alguma calamidade. Por enquanto, todos nós preferimos nos acomodar nos momentos de alegria, fazendo incontáveis planos para um futuro, ignorando que o que ele pode nos reservar é simplesmente horrível, como as cenas do filme são. Porém, algum dia, todos nós concluiremos que sim, os tempos realmente destroem tudo, e, uma vez destruído, é absolutamente irreversível! Mais uma vez, c'est la vie.

2 comentários:

Luciano disse...

Incrível seu texto. Parabéns, adorei o blog! Irreversível é, pra mim, um filme bem simples, ao contráruo do que as pessoas falam. A mensagem é clara, totalmente anti-violência, violência só gera violência. Mas é ao mostrar de forma original (e pesada) essa violência contra ela mesma, que Noé faz sua obra-prima ganhar destaque sobre outros filmes de temática parecida. Amo a frase final.

João Vitor disse...

As pessoas podem tender, em defesa do diretor, a conclusões como esta do Luciano, mas tenho certeza que a realidade não é bem essa.

Sabemos que estes brutais toques de utra-violência sempre foram o "plus a mais" (hahahaha) que certos diretores encontraram para cativar e "revolucionar" a vida de certos espectadores, diga-se de passagem: nós.

Tudo bem, é mais ou menos como comparar com as sociedades protetoras dos animais e veganos fanáticos (todos são, hahaha), que pra nos comover, geram inúmeras correntes com vídeos de violência contra animais pela internet. Eles tem as razões deles. Você acredita em todas elas?

Desse modo, não dá pra dizer que nunca ninguém teve a simples intenção de fazer um filme violento totalmente anti-violência. Seria generalizar. Mas o que dá pra dizer, é que a clara intenção da maioria dos diretores dessa "laia", é muito mais de cultuar um certo molde que se formou para esse tipo de filme, se é que você me entende, do que passar uma mensagem a alguém.

Irreversível, mais do que qualquer outro filme, nos prova isso. Se a intenção do filme era puramente anti-violenta, poderia-se facilmente abrir mão de requintes "anais", homossexuais, entre outros, e focar-se em aspectos muito mais avassaladores que podem ocorrer na vida de um recém-premiado.

Concluindo para não me estender muito mais: o filme é muito bom, mas assista deixando os moralismos de lado.