quinta-feira, 3 de dezembro de 2009

O Anticristo.


O filme "O Anticristo", de Lars Von Trier, lançado neste ano de 2009, foi taxado pela mídia e pelos críticos como "filme mais revolucionário e polêmico da história". Não é a primeira vez que um filme recebe essa alcunha, mas no caso do filme do diretor dinamarquês, o significado vai muito mais além. Talve seja o reflexo de que o cinema, e o mundo em geral, não estejam preparados para filmes dessa amplitude. O cinema dificilmente se desvinculará daquela concepção de mídia artística que desperta emoções e sentimentos através de imagens, roteiros e áudio. Não que eu seja contra essa ideia (afinal, noventa por cento dos filmes aderem à ela), mas eu acho que o que Lars propôs nesse filme poderia muito bem ser seguido.
Lars Vontrier, assim como alguns outros cineastas experimentais criaram um filme que é mais uma arte do que um filme. É, como o próprio diretor comparou, um quadro, uma escultura, uma música. Você não busca entendimentos, apenas assiste, contempla e tem suas próprias reflexões. E, por falar em reflexões, o filme de Von Trier está repleto das mais diversas. Obviamente que a crítica caiu em cima. O filme foi vaiado em Cannes, e Von Trier hostilizado por vários jornalistas, ainda mais sendo ele o arrogante e propotente que é. Mas, ao mesmo tempo, o fime também despertou reações animadoras e levou até um Palma de Ouro de melhor atriz pra casa.
Assim, entramos no quesito existencial da obra: a atriz. Charlotte Gainsbourg interpreta uma mulher, sem nome ou características de personagem esférico. Ela é apenas uma mulher açoitada pela dor e pelo sofirmento da perda de um filho. O filho em questão, caiu de uma janela certa noite, enquanto os pais deliciavam-se numa cena de sexo tórrido e apaixonante. A cena referida pode ser considerada antológica. Filmada em preto em branco, câmera lenta e precisão de mestre, acompanhada por uma trilha sonora de música clássica ela nos desperta não apenas o êxtase do sexo (há até um close na penatração vaginal) mas como do amor.
Porém, após a morte da criança o filme e a visão do diretor mudam de rumo. Von Trier abandona essa câmera precisa que tanto o perturba, retornando para sua clássica câmera tremida e a atmosfera noir, que tanto nos perturba. E o sexo? O sexo agora é encarado como bestial e animalesco. Não há mais amor. Em meio ha um lugar denominado "Éden", o casal (o homem, também sem nome ou caracterizações, é interpretado por William Dafoe) o casal continua a manter relações sexuais, mas dessa vez, de forma feroz e incontida. O desejo à flor da pele parte apenas da mulher, que encontra num lugar de nome bastante curioso o clímax sexual a tanto reprimido por tudo e por todos.
O filme é cheio de simbologias e metáforas. Desde o nome bíblico da floresta, até cenas bastante específicas e chocantes. A mulher, em certo momento, corta fora, com uma rústica tesoura de marceneiro, o próprio clitoris. Essa é, para mim, a cena mór do filme. Como se fazem na China que busca controle de natalidade irracional, a mulher se priva do desejo sexual de forma absurda e esdrúxula. É tudo parte da grande metáfora composta quase poeticamente por Von Trier: as referências ao cristianismo, o clássico conceito de natureza pagã e satãnizada, a figura da mulher reprimida em contraste com a figura da mulher bruxa.
Charlotte Gainsbourg, a Eva de Von Trier, é uma historiada, cuja tese acadêmica se baseia no "Ginecocídio" ao longo dos séculos, ou seja, os fortes maus-tratos causados às mulheres ao longo da História. Porém, no Éden, ela assume uma face monstruosa e assassina, que fez com que muitos taxassem o filme de misógino. Seria mesmo, então, Von Trier um adepto das teorias cristãs de que a mulher é a culpada pelo pecado do mundo? Que essa filha das costelas é um ser inferior e assassino? Acho que no mais, o diretor se refere a todos os seres humanos em geral como bestializados. Não é por menos que uma raposa (sim, uma raposa!) se comunica abertamente com o marido.
Von Trier apenas separa a degradação da espécie (sim, esta famosa incentivadora de artes ao redor do mundo!) em funções sociais masculinas e femininas. Não foi assim que o mundo sempre fez? Mulheres para isso, homens para aquilo! Von Trier explora a mulher como a velha figura materna, porém frágil e sensível a qualquer frustração, enquanto o homem, este sim, rústico e severo, é o centro psicológico da relação. Não é por menos, então, que o personagem de Dafoe é um terapeuta. Ele desempenha o papel de psiquê do casal, sustentando toda a dor da mulher em suas costas.
Mas não, a história toma rumos surpreendentes! A mulher, em certo momento, tenta passar o peso de todo um mundo, que Von Trier, da forma mais feminista (logo, menos misógina possível), assume estar apenas sobre ela, para o homem. Mas o final intrigante do filme tem algo mais a nos dizer. Cabe a cada um vê-lo, revê-lo e analisá-lo sob uma perspectiva de conheicmento e indagação. Não buscando saídas e compreensões óbvias. Isso é o cinema de verdade, que tanto foi e continuará sendo crucificado. Não é a toa que Kubrick, apesar de cultuado, morreu na amargura existencial. Von Trier ganhou com esse filme minha admiração. Não fez uma obra prima do cinema, como faz, de forma bem menos complexa, Quentin Taratino. Fez uma obra prima das artes e filosofias em geral. Pena que o mundo não esteja preparado, nunca esteve, prà arte real. Cést la vie.

2 comentários:

Luiz. disse...

Texto dedicado ao amiguinho stéfano!

Luciano disse...

Excelente texto, adorei! Bom, vi Anticristo apenas uma vez, no cinema, e preciso reve-lo urgentemente. Ele me deixou uma ótima impressão, gostei muitíssimo, mas é dessas obras complicadas de se digerir. A minha interpretação, pelo que andei lendo, é bem diferente da da maioria das pessoas. Mas acho que parece, em alguns pontos, com a sua. Pra mim a floresta do Éden representa o cristianismo ou, ainda, a sociedade. A mulher, que fora dali escrevia teses contra o femicídio, chega àquele lugar e corta o próprio clítoris, se reprmindo sexualmente. É a representação do que a mulher sofreu (e ainda sofre) durante anos. Um filme, no mínimo, interessante. Uma obra de arte, certamente. Difícil, complexo, estranho, pretensioso. Louco pra rever.